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A prática da violência na educação

 

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A impulsividade da criança e as reacções dos pais
A criança nasce com um nível elevado de impulsividade e necessita, para se adaptar ao contexto social de vida, de adquirir o controlo sobre os seus impulsos. Nos primeiros tempos, são habituais e frequentes os comportamentos de birra, sobretudo dos dois aos cinco anos. Posteriormente, passa por uma fase de confrontos com os pais, na procura de ganhar maior autonomia. Na adolescência, os embates são mais intensos e frequentes e correspondem a uma fase em que o jovem precisa, do ponto de vista psicológico, de realizar movimentos de afirmação e de construir a sua autonomia.
Assim, os confrontos que surgem na relação pais e filhos durante toda a infância e a adolescência são normais e desejáveis e fazem parte de um processo de crescimento normal.
Lidar com os comportamentos difíceis na infância na infância
Cada idade, exige diversas formas e maneiras de lidar com os filhos. Nas primeiras idades é importante a afirmação do “não” como limite às birras e aos comportamentos indesejados. O ”não” deve ser claro, preciso e incisivo. Dado o desenvolvimento cognitivo das crianças nesta fase de desenvolvimento, as explicações e as justificações racionais são inúteis e desnecessárias. A criança, na fase pré-escolar, precisa de aprender a obedecer, embora nem sempre compreenda o porquê das exigências que lhe são feitas. Na fase escolar, os adultos devem preocupar-se em dar explicações quando impõem limites e exigem o cumprimento de regras. É durante o período da infância que as crianças começam a internalizar as o bem e o mal, o código comportamental, os princípios e valores que irão orientar a sua conduta ética ao longo da vida.
Educar na adolescência
Na adolescência, os limites colocados devem ser longa e repetidamente justificados pelos pais. Nessa idade, os filhos precisam de perceber racionalmente as normas impostas e têm o direito de questioná-las, de as contra-argumentar, e, mesmo, de desobedecerem sendo que, nesta fase, é pedido aos pais uma enorme firmeza, e uma paciência infinita.
Os pais são os modelos primários de identidade dos filhos e para exercer a sua função de parentalidade têm que se constituir como figuras de autoridade. Ser uma figura de autoridade é muito diferente de ser uma figura autoritária! Os pais devem ser respeitados, admirados e valorizados, para poderem, com eficácia, modelar o comportamento dos filhos.
Todos sabemos que as crianças e os adolescentes cometem infracções, mais ou menos graves, e merecem castigos, os quais devem ser adequados e proporcionados ao tipo de infracção. Porém, os castigos físicos jamais devem ser utilizados! Primeiro, porque humilham a criança e geram revolta pela impotência frente à situação: a criança não tem a força e a energia que tem o seu pai ou a sua mãe que são naturalmente, fisicamente mais fortes. Segundo, porque castigo físico não muda o comportamento, facto amplamente comprovado pela investigação. Em terceiro lugar, muitos pais que batem, vivem, posteriormente sentimentos de culpa e voltam atrás com o limite necessário, gerando grande incoerência nos seus comportamentos.
Alguns pais, que batem nos filhos, acreditam que essa é a forma mais adequada que a educação tem ao seu dispor. Eles, pais, foram, em muitos casos, educados assim pelos seus próprios pais. A investigação na área da Educação Parental refere que os pais que batem, tiveram, na sua infância, um registo relacional com os seus pais, baseado sobretudo nos maus-tratos físicos.
Sabe-se, igualmente, que muitos do pais que abusam dos seus filhos foram crianças que sofreram abusos.
Bater nos filhos não tem, nos dias de hoje, qualquer justificação. É um facto que as nossas crianças estão muito mais dominadoras nos tempos de hoje. São muito espertas, controlam com facilidade as novas tecnologias, são ávidas por novidades e, tendem, por tudo isso, a se tornarem-se omnipotentes, acreditando que tudo podem, fazer, que mandam, que sabem perfeitamente o que querem, e que devem todos os seus pedidos e necessidades devem, no imediato serem atendidas. Correm o risco de se tornarem insuportáveis no convívio familiar e social. Precisam de regras, normas, limites mais do que nunca, para crescerem como seres civilizados e desejados. Cabe aos pais a função inalienável de educá-las, com a autoridade implícita de genitores, que não precisam nem de bater nem de gritar, mas que se devem impõem pelo olhar e pelo modelo de ser humano que são.
O que é o castigo físico?
O castigo físico é uma forma socialmente e legalmente aceite de violência contra as crianças e pode assumir várias formas, incluindo duas categorias de punição que ocorrem juntas ou separadamente: punição física ou a ameaça da mesma, incluindo bater numa criança com a mão ou com um objecto (como uma vara, um cinto, um chicote, um sapato), pontapear, sacudir, puxar o cabelo, forçar a estar em posição dolorosa ou humilhante, obrigar a fazer exercício excessivo, etc. O castigo pode também assumir a forma de punição psicológica, abuso verbal, ridicularização, isolamento ou esquecimento. A punição deve ser diferenciada do abuso, físico e do castigo. É, habitualmente, utilizada para fins disciplinares (corrigir um comportamento da criança e impedir que ela o repita) e, neste sentido, é uma forma social e legalmente aceite de violência contra as crianças que vulnera os seus direitos fundamentais à integridade física e à dignidade humana.
Castigos físicos e humilhantes

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O castigo físico torna as crianças vítimas e os pais autores da violência. Com efeito, grande parte da literatura sobre castigos físicos enfoca os seus efeitos a curto e a longo prazo. A investigação neste campo não é fácil de operacionalizar, já que não seria ético criar um grupo experimental e um grupo de controlo em que um seria constituído por crianças fisicamente punidas e, outro, por crianças cujos pais e cuidadores não utilizam o castigo físico como prática educativa. Na literatura, os autores que se opõem à utilização de práticas violentas consideram-nas injustas e imorais e tendem a basear os seus argumentos sobre seus efeitos negativos que elas determinam nas crianças.
São fundamentalmente formas de violência aplicadas por uma pessoa adulta com a intenção de disciplinar a criança, para corrigir ou modificar uma conduta indesejável. A intenção é a de causar dor ou desconforto físico. Pode deixar ou não marcas visíveis no corpo. Porque o castigo utiliza a força causa, habitualmente dor física ou emocional à criança. Existem muitas formas de castigos físicos: palmadas, tapas, beliscões, chineladas, paulada, varada, amarrar a criança, deixar de joelhos, socar, esmurrar ou bater, são alguns exemplos de castigos físicos. A força pode ser aplicada de muitas formas no corpo da criança. Pode ser com a mão – palmada na cabeça, na nádega, puxão de orelha, beliscão, com o uso de um objecto – régua, cinto, chinelo, fio. O adulto pode não bater, e neste caso coloca, por exemplo, a criança em posições desconfortáveis e em situações humilhantes, obrigando a manter-se de joelhos sobre grãos, reter excreções, ingerir alimentos ou substâncias estragadas ou de sabor aversivo, entre outros.
O castigo emocional ou psicológico humilhante pode ser exercido de várias formas como abusar verbalmente, ridicularizar, isolar ou ignorar a criança.
Quais os efeitos dos castigos físicos e humilhantes?
Os castigos físicos têm sempre efeitos adversos, sejam eles apenas actos isolados (sem uma frequência determinada) ou se expressem através de uma atitude sistematicamente negativa para a criança. Os autores que se interessam por este domínio da educação, afirmam que quando há um ambiente positivo em casa, o efeito do castigo diminui o seu impacto negativo; no entanto, considera-se que o castigo físico tem sempre um efeito prejudicial sobre o auto-conceito das crianças. Alguns argumentam que é a dependência primária de castigo físico como forma de disciplina (ao invés de seu uso ocasional como um método entre muitos outros não abusivos) que pode ser prejudicial para o desenvolvimento de uma criança e mais tarde para o equilíbrio psicológico do adulto.
As pesquisas realizadas neste campo e a experiência prática mostram que entre os possíveis efeitos dos castigos físicos e humilhantes há referir os seguintes nas crianças:
• Comprometem a sua auto-estima, gerando um sentimento de pouca valia e expectativas negativas em relação a si próprias.
• Consideram-se vítimas. Ao contrário de uma crença bastante disseminada de que os castigos fazem as crianças “mais fortes” porque as “prepara para a vida”, sabemos que não apenas não as tornam mais fortes, mas as tornam mais vulneráveis à condição de vítima em diferentes situações e relações.
• Podem apresentar dificuldades no seu processo de aprendizagem e no desenvolvimento da sua inteligência e dos seus sentimentos e emoções.
• Sentem solidão, tristeza e abandono.
• Incorporam uma visão negativa das pessoas e da sociedade como um lugar ameaçador ao seu modo de ver a vida.
• Criam uma barreira que impede ou dificulta a comunicação com seus pais, mães ou cuidadores e prejudica os vínculos emocionais estabelecidos entre eles.
•Por vezes sentem raiva e vontade de fugir de casa.
• Têm tendência a ser violentos. Acreditam que a violência é um modo adequado para se resolverem os problemas e os conflitos.
•Podem apresentar dificuldades de integração social.
•Não aprendem a cooperar com as figuras de autoridade, aprendem somente a obedecer às normas ou a transgredi-las.

A violência que os adultos, pais, mães ou cuidadores exercem sobre as crianças pode produzir ansiedade e culpa, inclusive quando se considera correta a sua aplicação. Os adultos podem entrar numa escalada de violência. O uso dos castigos físicos e humilhantes aumenta a probabilidade dos pais, mães ou cuidadores manifestarem comportamentos violentos no futuro em outros contextos, com maior frequência e intensidade.
Por que os adultos usam castigos físicos e humilhantes contra as crianças?
Os castigos físicos e humilhantes contra crianças são amplamente disseminados na nossa sociedade, especialmente porque são defendidos como uma prática legítima de educação e de imposição de disciplina nas famílias ou noutras instituições. Os adultos que recorrem a eles, fazem-no pelas seguintes razões:
• Consideram os castigos oportunos para a educação das crianças.
• Acreditam que devem impor limites e disciplinar as crianças através de censura, gritos, palmadas, contenções ou outras formas de agressões físicas ou verbais.
• Carecem de recursos suficientes para enfrentar uma situação de conflito.
• Desconhecem modelos de disciplina positiva, baseados na não-violência, no respeito na educação como uma experiência de troca, de aprendizado e de busca de soluções a realizar em conjunto com as crianças para descarregarem sua raiva.
• Não têm controlo sobre suas emoções e impulsos.
No entanto, muitos pais não acreditam que a violência seja a melhor forma de educar e disciplinar uma criança e quando escutamos as famílias sobre as razões que as levam a determinadas práticas punitivas, observamos que, frequentemente, elas sentem falta de alternativas quando têm que estabelecer limites e regras para suas crianças.
Como promover situações de mudança?
Pais, mães e cuidadores geralmente querem o melhor para suas crianças, mas muitas vezes não têm conhecimento ou prática para disciplinar os comportamentos dos filhos ou estabelecer limites e regras sem o uso da violência. O trabalho com pais e com famílias exige que os técnicos, habitualmente psicólogos, acreditem que os pais são, na generalidade, quem melhor conhece as necessidades dos filhos e que as suas práticas educativas são certamente as que melhor contribuirão para a uma educação eficaz. Os pais devem ser vistos pelos técnicos como seus aliados na redução da violência contra as crianças e é importante que qualquer que seja a família, o trabalho a desenvolver deve ser orientado no sentido de descobrir os seus pontos fortes e as suas atitudes positivas e partir deles para a mudança desejável.
O nosso enfoque deve levar-nos a assumir que os pais necessitam de informação e reflexão sobre as complexas questões que se colocam à tarefa de educar e que por outro lado, têm recursos, habilidades e contactos com outras pessoas que podem ser envolvidas para prevenir ou reduzir a violência.
Uma outra questão a ter em conta resulta do facto das famílias serem diferentes umas das outras pelo que devem ser abordadas e apoiadas segundo as suas características e reais necessidades, sem que haja lugar para julgamento. Procurar ajuda e falar sobre a violência é necessário e importante. Falar sobre a violência vivida no interior das suas casas é para muitas famílias factor de intimidação. Mas a experiência ensina-nos que falar sobre os problemas graves que atormentam a vida de cada um e procurar a ajuda dos amigos e técnicos são factores protectores para reduzir os próprios problemas.
Um grupo formado por outros pais que tenham experiências similares é uma estratégia ideal para falar sobre violência. Dialogar sobre stresse, violência e os desafios que se colocam hoje na educação dos filhos é uma das melhores formas de fortalecer e potencializar as pessoas. No trabalho directo que se faz com as famílias, frequentemente ouvimos queixas de que se sentem isoladas e que existem poucos espaços onde pais, mães e cuidadores possam falar sobre seus problemas e necessidades.

Não podemos esquecer que aprendemos a ser violentos com a violência que acontece a nossa volta. Reflectir sobre o que é a violência e questionar a sua utilização é um dos caminhos para preveni-la.